Literatura.


Ensaio Literário.   
           
          Natureza: Literatura
Forma: Romance.
Tema Central: O Sonho.
Título: “Onde um Sonho pode  nos levar”.
Origem: Inspirado em um sonho real.
Data: outubro de 2004.

Obs. Rogo que sejam tolerantes com a morfologia e, principalmente, com a sintaxe do texto, pois parafraseando alguns músicos, “só escrevo de ouvido”.  
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A Arte só é arte porque é a manifestação espontânea da estética do sentimento, por isso não se pode intervir nesse processo a exemplo do que fizeram ao obrigarem “Charles Chaplin a falar emudecendo a expressão de Carlitos”...


Delmar Fontoura.
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Sumário.

Entre Aspas. 

Prefácio. 

Capítulo     I - As Luzes e as Cores  do Outono.

Capítulo   II - O Sonho.

Capítulo III - Mery.

Capítulo IV - Silvia.

Capítulo  V - Minha Juventude


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Entre Aspas.

Para poderem expressar seus sentimentos e suas emoções  Escritores e Poetas se permitem modificar a Morfologia de palavras e a Sintaxe de  textos e poemas, mas me atrevo afirmar, que nem mesmo eles (1) do alto de suas sabedorias e com a permissividade que dispõem para adjetivar ou substantivar os verbetes de seus idiomas, conseguiriam traduzir e ou expressar o emaranhar de sentimentos em que me encontrava quando acordei daquele sonho. Por essas razões sinto necessidade de, através deste preâmbulo, manifestar meus sentimentos de impotência diante de tão fortes e transcendentes emoções. Nada do que descrever, através da liberdade da ficção, representará o que foi aquela experiência, de tão belo e, ao mesmo tempo, assustador simbolismo. A despeito de tudo tentarei traduzi-la. Quem sabe onde um sonho pode nos levar!... (2). 


(1) Aos Mestres, o meu perdão!...
(2) O Sonho, embora narrado por um personagem de ficção, é real, e descrito com fidelidade e emoção.

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Prefácio.

A inspiração para esta história se originou de um fenômeno natural que ocorre com a maioria das pessoas, mas que, neste caso, está revestida de características peculiares e inusitadas, que me envolveu, ao mesmo tempo, em mistério e perplexidade.
Não pretendo opinar sobre a forma de manifestação desse fenômeno, pois não tenho uma definição a respeito. Os que estudam a Paranormalidade o definem como um Fenômeno Paranormal; os Espiritualistas, como um Fenômeno Espiritual e outros, ainda, segundo suas crenças Religiosas ou Culturais. Portanto, sugiro que cada um tire suas próprias conclusões a respeito.
Sobre a ficção, eu posso afirmar que cheguei a conclusões, mas só serão reveladas mais tarde para que se mantenha a curiosidade sobre o assunto. Houve momentos, no sonho, de tamanha beleza e realismo que os interpretei como uma sublimação, pois, ao despertar para a vida, “aquele Ser” sintetizava a força da natureza e sobrevivência!            
Considerando-se o que já foi dito sobre as formas de interpretação dos sonhos, alerto que por se tratar de uma leitura do fato real traduzido para a ficção, os enredos que envolverem os personagens poderão ser inseridos no contexto de qualquer uma dessas formas de crenças Materialistas ou Espiritualistas, mas sempre em função do enfoque ficcional.
As principais razões para escrever sobre esse tema foram: o ineditismo e a perplexidade em que me encontrava quando acordei do sonho. Era um misto, como já disse, de assustado e maravilhado!... Meus pensamentos estavam envoltos num turbilhão de imagens. Lembro-me claramente que aquele instante de transição “do sonhando para o acordado” foi o mais confuso daquela situação. Já num terceiro estágio, me pareceu estar presenciando fatos e imagens reais... Subitamente, como num passe de mágica, tudo se transformou nessas idéias que agora estou utilizando como argumento para uma história, pois pude perceber que sugerem uma semelhança com dramas reais do nosso cotidiano.
     
Pretendo que o enredo tenha um personagem central que irá revelar o Sonho já traduzido para a ficção e, no caso, sonhado por ele. Esse personagem deverá ter dupla importância na trama, primeiro pelo que ele representará na razão da existência da mesma; segundo, pela própria natureza estrutural do trabalho. Será ele que fará especulações críticas sobre os aspectos polêmicos da história: O Sonho, o Ódio e o Amor, demonstrando muita sensibilidade espiritual e mantendo um clima enigmático até chegar ao momento de revelar quem são o quarto, o quinto personagens e o mistério de seu próprio drama pessoal, que deverá ser o desfecho.
 Duas personagens representarão antíteses entre  o Bem e o Mal, traduzindo momentos marcantes na história. Mary deverá se envolver numa senha de ódio e revolta, demonstrando ter pouca compreensão daquilo que a fatalidade da vida lhe reservou, mas, em contraponto Silvia se revelará com sentimentos nobres, tais como, a irrestrita solidariedade demonstrada aos que lhe rodeiam, especialmente, o sentimento dedicado a dois outros personagens, manifestado em formas sublimes de Amor!...
Já a Rejeição, nesta história, deverá ser tratada tão somente naquilo que o envolve relativamente ao sonho, mas em todos aspectos e envolvimentos polêmicos. 
Os outros personagens que citei!... Bem! Esses fazem parte do mistério e expectativa naturais.


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Capítulo I.

 As Luzes e as Cores do Outono.

Hoje é um dia especial para mim. Inicio minha caminhada costumeira e, a passos lentos, penetro neste ambiete de rara beleza e encntamento, mas de visões antagônicas, através das quais me reencontro com fantasmas e recordações de experiências que marcaram profundamente minha vida e minha alma. Foi aqui neste “mundo de luzes do outono” que se confirmou uma antevisão através de um sonho. 
 Retrocedo ao passado como se estivesse vivendo em um conto mágico e a cada passo que dou uma recordação rompe em meus pensamentos!... Meu coração bate descompassado!... Sinto arrepios e minha alma desprendendo-se do corpo!... Mesmo emudecido, grito, mas em vão, ninguém me houve, pois minha voz não se propaga no meu  silêncio!... Tudo como se um ente tomasse conta do meu ser... Subitamente, percebo que se repete aquela misteriosa experiência vivida há tantos anos, e então, incapaz de resistir, me submeto a essa força indomável, aos meus fantasmas e às emoções...
Após essa viagem alucinante, como se sobre um quadro cinza triste se jogasse cores, reencontro-me naquele belíssimo dia de outono fazendo meu passeio vespertino. O sol derramava seus raios. O céu, de um azul profundo, límpido e com sua generosidade Divina, permitia que se contemplasse o firmamento. Percebia-se que Deus estava ali, ectoplasmado naquela deslumbrante beleza...
Era a simbiose da natureza permissiva como um bálsamo para o corpo e para a alma, razão de eu ter escolhido as últimas horas das tardes de Outono para fazer minhas caminhadas naquela trilha formada por um longo corredor situado as margens de um lago em que cisnes vogavam exibindo suas aparentes soberbas.
 As laterais deste corredor, ainda hoje, são constituídas por frondosos Plátanos que, neste período do ano, deixam suas folhas exibirem um degradê nas cores que variam: do verde, no centro dos talos, passando pelos tons de laranja e vermelho, culminando no amarelo doirado, tonalidades acentuadas pelos raios do sol: os diretos que penetram pelo poente do corredor e os indiretos que, entrelaçados entre folhas doiradas, se refletem num esplendor divino!...    
 Para realçar ainda mais a beleza desse conjunto, acrescente-se que esses raios ao entrelaçarem-se entre as copas das árvores, fazem com que seus feixes de luz criem um belíssimo efeito que realça os matizes das folhas ainda não caídas e das que formam um tapete doirado no chão por onde, absorto em meus pensamentos contraditórios, caminhava naquele longínquo momento e onde me encontro agora...
Onde termina a trilha dos plátanos, no sentido nascente-poente, eu costumava dobrar a direita e cruzar uma esplanada central do parque, onde existem: um Espelho D’água – antiga piscina olímpica –, um chafariz no lado este do espelho e no centro de uma piscina contida por muretas que formam um octógono. Contínuos às laterais desse conjunto se distribuem gramados com bancos de madeira onde costumo me acomodar quando não me dirijo ao lado norte do Parque para admirar recantos representando culturas de outros paises,  construídos durante uma Exposição Internacional ocorrida em 1935.
Naquele dia me sentia estranhamente incomodado, motivo pelo qual não passei para o outro lado, detendo-me, então, próximo ao Chafariz, onde ali fiquei sentado em um dos bancos, admirando os últimos raios do sol, já com seus tons de vermelho e laranja, que, quase encobertos no horizonte, insistiam entre as frestas formadas pelas silhuetas dos prédios que se localizavam na zona mais elevada da cidade.
Era incomum, naquele horário, pessoas transitarem pelo Parque, pois a maioria dos moradores da cidade trabalhava parte no extremo norte e a outra se deslocava de barco para ir até uma grande indústria de papel situada na margem oposta do estuário que banha a cidade; junte-se a este, o fato de que o Parque situava-se, diferente de hoje, em uma zona não residencial. Eu fazia parte, portanto, de um pequeno número de pessoas que freqüentava este local ao entardecer, mesmo porque morava e ainda moro junto ao parque.
    
A temperatura média, neste período do ano, costumava ser de vinte e cinco a vinte e oito graus, baixando de três a cinco graus, ao entardecer. Mas naquele dia estava bem mais quente e por esse motivo resolvi ficar até mais tarde deliciando-me com a mornidão do crepúsculo vespertino!... Num determinado momento, já mais noite do que dia pude perceber, junto a um poste com iluminação no lado e extremidade contíguos ao que me encontrava, sentada em um dos bancos, que me pareceu ser uma mulher.
Passados alguns minutos, na outra ala do corredor e no lado oposto, junto a uma iluminação, passava outra pessoa que aparentava estar caminhando com certa dificuldade, neste caso, no entanto, verifiquei claramente ser uma mulher. Como a temperatura estava convidativa para aquele horário, julguei que aquilo fosse normal, pois outras pessoas tinham estado lá, embora, mais cedo.
      
Resolvi, então, ir embora e, no exato momento em que me pus de pé, verifiquei que a segunda pessoa que eu já havia percebido se tratar de uma mulher, sentava-se, na laje, à beira do Espelho D’água, procedimento, que, naquele momento, me pareceu estranho, mas como eu já estava disposto a ir embora, retomei minha caminhada para o último trecho de mais ou menos cem metros que faltavam para o término do ambiente do Parque... ...passos lentos... ...indeciso, às vezes que olhei para trás, pude perceber que aquela mulher continuava no mesmo lugar, já agora, com os pés virados para dentro d’água!...Mas eu me afastava!... Não estaria ela necessitando de ajuda?... Dúvidas me assaltaram e tremi... Por que não volto? ...Minha cabeça doía... Exclamei:... Meu Deus! O que esta acontecendo?... Pensei: não fossem aqueles sentimentos estranhos, esses fatos nem teriam sido percebidos. Voltei para casa...
Deitado, sem conseguir dormir... ...já Madrugada! Rolo na cama sem conciliar sono e pensamento. Recordações desordenadas insistem em me atormentar... As lembranças se misturam, as atuais e outras de um passado mais distante!... Um pavor toma conta de mim. Resolvo levantar. Continuo sentindo muito calor como se fosse pleno verão. A caminho da cozinha, passo pela sala e verifico que o termômetro está marcando apenas vinte graus. Por que estou suando tanto?... Por que minha cabeça continua doendo?... Por que lembranças entre passado e presente distintos se fundem?... Por quê?... Qual o motivo disso tudo?... Não encontro razão para estes acontecimentos! Ou não quero encontrar?... Começo então a me sentir irritado! Não quero!... Não costumo alimentar esse sentimento. Mas o que fazer?
Jà na cozinha... ...pensei!  Talvez um chá!... Mas não para esta minha tortura!...  Ouvi um barulho vindo da sala, então, assustado e em posição de defesa como se algo fosse me atacar, votei-me e deparei com Loren... ...extasiada junto à porta, com os olhos esbugalhados e mais assustada do que eu. Antes que pudesse falar, ouvi aquela voz delicada e suave acompanhada de uma terna preocupação pelo que estava presenciando naquele momento. Nem ela nem eu conseguíamos falar, de repente ela deu dois passos e colocou sua mão delicada em meu braço dizendo, ainda, assustada:
 – O que é isso criatura?... Estas te sentindo mal? Foram essas palavras de Lorem que me trouxeram de volta à calma... ...Disse que havia me assustado com a chegada dela e que era somente isso...
– Mas isso é motivo bastante para te sentires tão assustado – disse ela olhando-me fixamente nos olhos...
– Ora, estou um pouco indisposto e só queria tomar um chá e achei desnecessário te acordar. – Respondi transmitindo pouca convicção!
– Tudo bem! Mas você sempre me chama. O que houve?  – Loren falou como se estivesse confirmando minhas apreensões! 
 
– Outra coisa, o Dr. Carlos esteve aqui para acertar sobre a viagem e ele quer saber o que esta acontecendo, pois ele te cumprimentou, quando vinhas do Parque, mas não foi correspondido.
– Foi só uma distração de minha parte, só isso... – Disse reticente!...
 
Eu sabia, no entanto, que naquele momento Loren estava percebendo o meu "estado de espírito", mas nada pude falar porque nem eu mesmo tinha consciência do que estava acontecendo...
Loren costuma dizer que é minha Secretária Doméstica, eu discordo, pois a considero como uma irmã, o que não faz nenhuma diferença, ela continua sendo o que é a amiga  que sempre foi, pois é e sempre será uma pessoa muito querida em nossa casa. Ela tem o dom de perceber quando eu tenho preocupações mais sérias; sempre está disposta a me ajudar; é de uma perspicácia de causar inveja, mas muito moderada e pertinente em sua forma de ajudar, além de outras virtudes inumeráveis que possui. Ela juntou-se a minha família há quase quarenta anos; veio para nossa casa logo após seus pais terem falecido e, nesses anos todos, tem demonstrado uma imensa gratidão por esta acolhida.
      
 Quando Loren chegou era uma menina ainda. Chorou suas dores junto com minha mãe que ficara viúva ha pouco mais de seis meses. Dessa convivência e compartilhamento de dor surgiu uma grande amizade reforçada pelo nobre sentimento de gratidão mútua, pois Loren transferiu todo o amor que sentia por seus pais para minha Mãe e esta lhe retribuiu com reconhecimento potencializado por sua pureza de alma.
Minha irmã, mais jovem ainda, e eu, de início, morríamos de ciúmes, mas por pouco tempo. A bondade e o carinho das duas nos venceram e nos tornamos: nós – eu, minha irmã e Loren - uns cordeirinhos e grandes amigos. A vida continuou...  Cinco anos depois minha irmã casou com um Inglês e foi morar em Londres.
Minha Mãe morreu após dois anos. Não sofreu... Era um fim das tardes de outono... Os raios do sol penetravam pela janela e incidiam sobre os cristais multifacetados de uma cristaleira, criando um áureo efeito de tons sobre um vermelho alaranjado, refletidos nas paredes da varanda. Mamãe, sentada em sua cadeira de balanço, segurava nossas mãos, as minhas e as de Loren. Puxou-nos até ela e beijou nossas faces, repôs nossas mãos em seu regaço e, com sua voz suave, murmurou serenamente: Vou ver Lúcia... Depois vou encontrar seu pai que está me esperando...  Fechou os olhos... Virou a cabeça sobre o ombro esquerdo e nos deixou...
      
A agradável presença de Loren teve o poder de trazer aquelas lembranças de Mamãe e, a presença de uma e o espírito de outra, amenizaram minha tensão, meu estado de alma e secaram minhas lágrimas. Agradeci o chá, que a esta altura já estava servido, dizendo a Loren que fosse descansar que eu, em seguida, faria o mesmo.
Ouvi então o Carrilhão da sala bater informando ser duas horas da madrugada e achei estranho que Loren não tivesse insistido em saber mais sobre minhas preocupações, mas sabia que durante o dia ela me faria perguntas e que muitas delas eu não teria condições ou não gostaria de responder. Naquela altura, já mais calmo, orei rogando a Deus que me confiasse sabedoria e coragem para enfrentar o que antevia que estava por acontecer. Deitei-me e, sem saber quanto tempo depois, dormi.
 


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Capítulo II.

O Sonho.

Acordei!... Embora este acordar estejaja no pretérito perfeito me refiro a um momento entre um passado  mais-que-perfeito  e outro imperfeito ou a  presentes “siameses” do verbo acordar, sem intervalo, tal meu estado de espírito e minha perplexidade como agente daquele evento fenomenal.

Eram sentimentos entre maravilhado e assustado!...  Meus pensamentos perdiam-se envoltos a um turbilhão de imagens, a tal ponto, que tudo me pareceu estar ocorrendo em outra dimensão de tempo e espaço desconhecidos. Meu subconsciente não liberou tudo, me deixando a estranha sensação de uma imagem fugidia...

 Os sonhos, normalmente, são difíceis de serem contados, pois se assemelham a takes descontínuos de filmes mal editados, mas neste, fora a exceção já descrita, as imagens se apresentavam perfeitamente compreensíveis.  No início me encontrava no alto de um edifício com fachada envidraçada. Lá de cima, numa altura indeterminável, vislumbrava-se um espelho d’água - entremeio aquela sensação de cortes de filmes - e em continuidade, como que flutuando sobre a água, ectoplasmava-se a imagem de um ser, que se afastava e desaparecia numa bruma... ...a única estranhamente indelével.

No fenômeno estava subtendido que aquele ser fugaz deixara sobre a água uma massa disforme envolta por uma proteção gelatinosa e translúcida... ...de repente pude perceber que, aquilo, que se apresentara disforme, se transformava lentamente numa criança vista de lado parecendo estar no aconchego do útero materno onde, claramente, podia ver seus pequeninos rosto,  pernas e braços se destacarem naquela estranha transformação.

Na frente do abdômen existia uma bolsa como continuação do umbigo e a leitura que fiz, já acordado, foi de que se tratava de um “vitelo” que mantinha "ou manteve" a vida daquele pequeno ser em ambiente tão adverso.

 Ato contínuo aparece uma jovem, que recolhe a criaturinha, a aconchega ao peito e sai correndo, como que levitando, sobre aquele espelho d’água!... ...Eram imagens deslumbrantes, de tão perfeita concepção que eu podia vê-la correndo sobre a água que saltava para os lados e para cima molhando seu vestido de tecido fino, que emoldurava a silhueta de seu belíssimo corpo, quando ela levantava e baixava suas pernas esguias e pés descalços, com a alegria e contentamento de uma bailarina nos movimentos sensuais de seu Balé!...

Até que eu pudesse sair daquele torpor, passaram-se alguns minutos, não saberia precisar quantos... ...mas ao retornar à lucidez pensei: teria sido natural que uma mulher tivesse tido aquele sonho, mas um homem!... E o simbolismo das imagens: a rejeição, a fuga furtiva; entremeio: a força da vida; a salvação, o acolhimento e a alegria estampados naquelas imagens de alucinante encantamento.
Após transcorrerem aqueles momentos de estranhas emoções, entre o fim do sonho e a plena consciência, me senti acordado, plenamente. Com a  voz, ainda,  entrecortada pela emoção, pronunciei a primeira frase: “onde um sonho pode nos levar”!...

Que coisas estranhas me pareceram!... De repente um pavor tomou conta de mim ao mesmo tempo em que passei a associar um acontecimento do dia anterior ao Sonho do qual acabara de despertar. Perguntava-me: Seria possível tamanha coincidência? Por que teria ocorrido aquela transformação de estado de espírito? Aquilo teria sido um aviso por algo que estivesse por acontecer? Seria o Sonho a confirmação do que eu supunha ter acontecido? Teria aquela imagem, fugidia, simbolizado um terrível ato de rejeição àquele “ser”? O que estava pensando era terrivelmente provável... Ou não?... Meu Deus!... Mas não havia nada de concreto!

 Essas indagações me atormentavam. Eu sentia o sangue pulsar em meu corpo como se meus vasos sanguíneos estivessem prestes a estourar. De repente lembranças de minha juventude se somaram a esses tormentos... Senti uma forte dor no peito... Lembro-me que ainda gritei chamando Loren... ...Horas após, fora do sonho, a continuidade da vida... ...de volta dos secretos escaninhos de minha mente para onde fui levado através do sonho.

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Capítulo III.
      Mary.


Mary era uma adolescente de dezessete anos, filha única de uma família de fazendeiros do ramo da pecuária. Estudava num dos melhores e mais conceituados colégios da área do ensino privado, cursando o último ano do segundo grau. Gozava das benesses que a condição de filha de pais abastados lhe proporcionava. Possuía um grau de inteligência acima da média dentro de sua faixa etária. Convivia somente com outros adolescentes de sua classe social destacando-se destes, tanto na escola quanto fora desta, por seu temperamento intempestivo e dominador. Não se aproximava nem admitia que seu grupo se aproximasse de alguém que, por seus critérios frios e definitivos, fosse socialmente inferior a ela. Os humildes eram pertencentes ao grupo que ela chamava de “pobretões” com empáfia e desprezo.  Para ela pobres não venciam na vida por serem incapazes...
As pessoas que, por uma ou outra razão, tivessem contrariado seus caprichos, ou, por algum motivo discutido com ela, diziam que suas reações eram de uma estúpida e descabida violência, chegando, muitas vezes, a ameaças de agressão física.
 
Mantinha-se dominadora de seus grupos de relações, subornando-os com favores que sua condição de abastada permitia, sempre que fosse de seu interesse. Quem tinha cruzado seu caminho dizia: essa garota “é do mal”.
Eram raras às vezes em que Mary convidava um de seus amigos – se é que ela cultuava relações de amizade – para comparecerem em sua residência e, aqueles poucos que lá estiveram, puderam constatar que suas relações com a mãe, também, eram inamistosas. Seu pai permanecia mais tempo fora de casa cuidando dos negócios da fazenda ou viajando. 
Isso era o que se sabia sobre Mary até o momento em que, subitamente, seu comportamento mudou: diminuiu o tempo de permanecia com seus grupos de relações e as vezes que saia com eles. Começaram, então, as especulações: estará Mary namorando? A maioria achava improvável que isso estivesse acontecendo, face ao seu temperamento, pois, aqueles que tentaram um relacionamento amoroso com ela, tiveram experiência desagradável. Era difícil um rapaz estar à altura de seu “Status Social”; - uma expressão dela, - quando não era baixo, era gordo ou quando estava com uma roupa mais confortável e esportiva, era um marginal. O infeliz era invariavelmente rechaçado com crueldade e humilhação e quando era um menos educado, dava bate boca, o que era um bom motivo para ela satisfazer seu ego com soberba e prepotência!   
   
De repente soube-se que Mary estava se relacionando com uma nova aluna, que, segundo seus próprios conceitos, aparentava não estar à altura de sua amizade. Isso surpreendeu “meio mundo”! Ninguém acreditava no que estava vendo, discutiam aquele comportamento, evidentemente longe dela, pois não queriam ficar com a cabeça no “cepo de seu cutelo”!...  
Especulou-se que aquele procedimento deveria estar relacionado com algum plano macabro para prejudicar alguém e isso era o que comentavam – os “amigos” e os inimigos!...

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Capítulo IV.
Silvia.


Embora o destino, em muitos aspectos, lhe tivesse sido cruel, Silvia se considerava uma menina feliz, nos seus dezessete anos de vida. Passava por dificuldades, momentâneas, junto com sua família, mesmo assim se mostrava uma jovem compressível com o que a vida lhe reservara. Essas dificuldades, no entanto, não impediram que ela lutasse para alcançar seus objetivos pessoais e para minorar o sofrimento dos pais.
 Quando sua mãe lhe disse, que ela e seu pai, nesse momento mais difícil de suas vidas, lamentavam por não poderem lhe proporcionar uma vida melhor, Silvia argumentou dizendo:
 – Mamãe!... Nós não podemos nos considerar pessoas infelizes e eu muito menos. Pense naquelas pessoas da Vila Dilúvio. A Senhora já foi lá comigo e conhece bem as péssimas condições em que vivem. Olha! Vou ler para a senhora um trecho da Crônica do Jornalista Francelino Tavares no Correio de domingo, a certa altura ele diz, se referindo à Vila:
 “...Seus lares são, na maioria, miseráveis casebres, muitos deles cobertos com folhas de zinco enferrujadas, as paredes cheias de frestas, os pisos são de terra batida, suas ruas e avenidas são becos e vielas, onde correm os esgotos a céu aberto e crianças brincam descalças, cheias de bicho-de-pé, junto a cães, porcos, ratos; são esqueléticas, com suas barriguinhas cheias!...  De comida?... Não, de vermes! As mulheres, casadas ou não, adultas, adolescentes ou meninas: grávidas de crianças, que, muitas, nem pais conhecerão!... As doenças grassam por toda parte!...E os homens? Os homens: jogam, bebem, brigam, morrem, matam. Iniciam-se no uso dessa “erva” que começa a penetrar nesses vilas miseráveis. Traficam, fazem filhos; assim como matam, morrem. E naquele ambiente, de miséria e abandono total, numa impune demonstração de desrespeito ao ser humano, os poderosos e indiferentes  permitem que se forjem  os criminosos de todas as espécies. É a mais cruel forma de segregação dessa sociedade...”
               A mãe de Silvia, com os olhos arregalados e assustada com o que ouviu, diz:
– Minha filha!... O que queres dizer com tudo isso, você parece estar revoltada com alguma coisa ou, talvez, com sua mãe?...
Silvia chega-se junto á mãe, beija-lhe a face e fala:
 – Não mamãe, eu seria incapaz de pronunciar uma vírgula que pudesse lhe magoar. Minha intenção foi de, simplesmente, chamar-lhe atenção para a realidade. Nós precisamos nos manter fortes para ajudar papai vencer suas dificuldades momentâneas. Tenho certeza e fé de que dentro de poucos dias estarão resolvidos seus problemas e reencaminhadas nossas vidas; não podemos aparentar fraqueza nesse momento, papai precisa de nosso apoio e de nossa compreensão!...
Silvia sabia a razão dos momentos de desespero de sua mãe, pois esta se sentia culpada pela situação que atravessavam, uma vez que por motivo de sua doença, seu marido se desfizera de um imóvel e lançara mão de reservas financeiras que estavam destinadas ao fechamento de um negócio que lhe tornaria independente profissionalmente e isso o abalara moral e fisicamente, pois deixara de honrar compromissos com outras pessoas que dependiam, também, dessa transação, o que para ele era inconcebível por sua retidão de caráter.
Na realidade os sentimentos de Silvia eram sinceros, ela não se sentia uma sofredora, pois era muito jovem ainda. Tinha grande esperança e alimentava uma certeza que aquela situação era momentânea, e, para que esta esperança se transformasse em um fato real, não pensava em ficar simplesmente esperando que as coisas acontecessem. Queria de alguma forma colaborar no reerguimento de sua família, para isso, há vinte dias havia encaminhado uma carta a um escritório de uma empresa Americana, solicitando uma oportunidade para trabalhar, e, há mais tempo, vinha diligenciando, junto a um político estadual, no sentido de conseguir uma bolsa de estudo para um colégio público, pois a escola particular onde estudava não oferecia as condições que satisfizessem seus projetos de estudos além de exigir uma despesa que seus pais não tinham condições de honrar.

Embora estudasse no turno da manhã, estava chegando, em casa, por volta das duas horas da tarde, pois estivera na Biblioteca Pública pesquisando sobre Biologia para concluir um trabalho que deveria ser entregue na manhã do dia seguinte.
 Quando entrou na sala sua mãe estava parada a sua espera com um sorriso aberto, apressou os passos até Silvia e lhe abraçou, dizendo.
– Minha filha, você conseguiu!...
Silvia, espantada, exclamou:

– O que é isso mamãe! O que foi que eu consegui?...
E, então, recebeu das mãos da mãe um envelope lacrado com o timbre “CARRIS”.
Silvia ficou parada no meio da sala com o envelope apertado contra o peito arfante, sentindo que seu coração batia descompassado!... Uma lágrima escorria na pele morena de seu rosto jovem e bonito!... Seus lábios tremiam!... Nesse momento ela percebeu que a emoção lhe dominava... Sua mãe, também emocionada e com os olhos cheios de lágrimas, respeitando e compartilhando aquelas emoções, sentou-se e pediu que sua filha sentasse ao seu lado; aguardou que esta pudesse falar, e então, entre soluços a ouviu dizer:
– Eu sinto mamãe, seja o que for que contiver esta correspondência, será algo que vai transformar nossas vidas, não sei explicar por que nem como, mas, é o meu pressentimento!...

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Capitulo V.

Minha Juventude.

As pedras, sobre as quais caminhava, estavam ali a mais de cem anos, tiradas de uma jazida do morro do Ferrás que se vê olhando por cima do campanário da Igreja Matriz de Nossa Senhora Aparecida. Foram extraídas em regime de urgência para pavimentar a então estrada do Ferrás, atual Largo da Matriz, que liga, num trecho de trezentos metros, a Praça Cel. Diego Ferras à Igreja.
 
A terra em que estão assentadas guarda, segundo o que dizem as pessoas mais velhas, uma história de suor, sangue e de corpos de escravos, que morriam durante a construção e eram enterrados ali mesmo e no dia seguinte anunciava-se que os mesmos aviam fugido da estância do patriarca Maneco Ferrás. Hoje há quem afirme ouvir, nas noites de lua cheia, o som das marretas batendo nos ponteiros para cinzelar as “pedras ferro” e que são os espíritos dos escravos concluindo o trabalho interrompido por suas mortes.  

Compareceriam à inauguração da Matriz: o Bispo Dom Manuel Alcântara, o Prefeito Diogo Ferrás Neto, estancieiros da região e o Governador Teodoro Saraiva parente de Gumercindo Saraiva o famoso e controvertido comandante de tropa na Revolução de 93!... A presença dessas figuras justificava a urgência, mesmo por que eram épocas em que o Estado e a Igreja mantinham interesses comuns e obscuros.

O conjunto da Praça da Matriz é um trabalho tombado pelo Patrimônio Histórico da União por ter sido considerado uma obra de arte. Forma um conjunto com o casario que tem prédios com quase cento e cinquenta anos, como é o caso do sobrado da Família Ferrás construído na década de 1810, sendo que, neste conjunto, o prédio mais novo tem noventa anos.

Trata-se realmente de uma obra de arte arquitetada e construída por um mestre, dois contramestres e mais doze homens portugueses vindos especialmente de Lisboa, que somados aos escravos da região, demoraram ....; meses para concluí-la.             







                                             F I M