segunda-feira, 25 de abril de 2011

O Espantalho.


 Ele tem tentado ser útil, mas em vão, pois não lhe ouvem!... Gritar pouco adianta, enfraqueceram suas cordas vocais, por isso só consegue murmurar muito baixinho na esperança de que o “tempo e o vento” levem seu murmúrio à multidão, na esperança de que reverberem sua voz já enrouquecida... Prenderam, também, seus braços para que não apontasse e suas pernas para que não andasse; encheram-lhe de palha e puseram-lhe “rotos trapos” para que aparentasse o que é... ...um espantalho... ...Mas na ânsia da maldade se esqueceram de lhe tirar a lógica e a razão através das quais ele vê, ele ouve e consegue se comunicar com a realidade...

Nos últimos tempos tem estado apreensivo com o que vê: corvos invadiram o milharal e, mancomunados com ratazanas e um séquito de ratos miúdos, saqueiam, indiferentes à sua presença e isto lhe dói muito, se sente imprestável e incapaz de lhes dar um pontapé no traseiro...

Não pode gritar; não pode bater panela; não pode soltar rojão; não pode pintar a cara... ...que inútil está se sentindo... ...que droga!... ...Mas Povo é assim mesmo... ...Oh! Perdão, eu quis dizer que espantalho é assim mesmo!...

Cansado de observar só o milharal ele resolveu espichar sua visão até mais adiante e constatou, sob uma nevoa turva, que sobem e descem uma rampa na casa grande da fazenda,  onde se percebe que estão em constante festa num vai e vem frenético que lhe assusta.

De tempos em tempos ele percebe que o patrão, acompanhado da Capataz, recentemente nomeada,  vem até o milharal com outras pessoas e ficam gargalhando de satisfação e murmurando sobre coisas estranhas que não consegue entender...

– Precisamos que fulano faça isso, que beltrano faça aquilo para que aqueles sicranos nos ajudem saldar os compromissos – Mas ele não entende bem quem, nem que compromissos são esses...

– Se não tivéssemos vencido pela terceira vez descobririam “tudo”... – ...O que foi que venceram?... ...O que será esse "tudo" a que se referem?...

Ele está muito assustado por se sentir inútil...

– Que droga!... Diz ele... – ...mas Povo é assim mesmo... ...Oh! Perdão, outra vez, mas que cacoete... ...quero dizer, que espantalho é assim mesmo!...

J. P. Fontoura

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